Sempre que se fala sobre o crossdressing, os autores das reportagens fazem questão de ressaltar que essa prática independe da orientação sexual do indivíduo, que ela em si não é indicação de que o mesmo seja hétero, bissexual ou gay. E isso realmente é verdade.
Acredito que seja muito mais provável que o crossdressing indique algum conflito em relação à identidade de gênero da pessoa, ou seja, se ela se identifica como homem ou como mulher, do que na orientação sexual dela. E é aqui onde quero chegar: a linha que separa o crossdressing da transexualidade muitas vezes é tênue. Penso que o que começou como crossdressing pode acabar evoluindo para algo maior, ou talvez, melhor dizendo, o crossdressing pode ser o sintoma de uma questão maior e mais profunda, tal como um conflito de identidade de gênero.
De maneira geral, crossdressers não se identificam como mulheres, eles são homens que apenas gostam de se vestir como mulher, e de parecer mulher com a ajuda de acessórios, tais como peruca, maquiagem, etc. Tudo isso durante um determinado período do tempo.
Acredito que o que diferencia o crossdressing da transexualidade é uma questão de frequência, de como você vive sua vida:
Você é um homem que trabalha de segunda e sexta e nos finais de semana é uma mulher? Ou você é uma mulher que de segunda a sexta trabalha vestida de homem?
Um indivíduo que sente a necessidade de praticar crossdressing (se travestir) apenas nos finais de semana tem menos chances de vir a ser no fundo um transexual do que um indivíduo que prática crossdressing o tempo todo, que vive 24 horas usando roupas femininas. E por sua vez um indivíduo que além de se travestir o tempo todo ainda modifica seu corpo com cirurgias e hormônios tem mais chances de vir a ser um transexual do que o exemplo anterior.
A questão é basicamente simples: um indivíduo que prática crossdressing, ele quer ter o corpo de uma mulher, pelo menos por um determinado período de tempo. Ele quer usar aquelas roupas femininas, ele quer ter seios, ele quer ter o corpo o mais próximo possível de o de uma mulher, por um determinado período de tempo.
Se fosse possível e prático alguém, por exemplo, controlar um avatar de uma mulher (de modo igual ao que acontece no filme “Avatar”), boa parte dos crossdressers iriam querer esta experiência, pois seria uma forma muito mais realista de sentir o que é ser mulher.
Porém, na vida real modificar sua identidade para ser mulher é um processo extremamente difícil, em todas as vertentes possíveis. Então, acredito que acaba sendo uma questão de “o quanto eu quero isso?” e de “o quanto me faz falta o fato de eu não estar possuindo um visual e um corpo feminino?”.
Embora, acho justo lembrarmos aqui também de que a própria linha que separa o crossdressing/travestismo da transexualidade é tão obscura e tênue quanto a linha que separa “o que é ser homem?” do “o que é ser mulher?”.
Um crossdresser que discordasse de mim, poderia muito bem contra argumentar alegando que o fato de alguém querer se vestir como mulher o tempo todo e ter atributos físicos femininos, não necessariamente o faria mulher, desde que ele não se identificasse e nem se visse como tal. Ele poderia alegar que ele se identifica como um homem que apenas gosta de usar roupas de mulher e de ter um corpo de mulher, porém que gosta de todas as outras atividades historicamente associadas ao gênero masculino.
Ele poderia argumentar que apenas faz parte de um conceito de homem que não se encaixa nos padrões de gênero que a sociedade tem acerca do gênero masculino atualmente. Ele poderia argumentar que hoje em dia uma mulher pode, por exemplo, se vestir com “roupas de homem”, e possuir certos atributos físicos historicamente associados ao homem, como ter cabelo curto, e ainda assim se identificar como mulher, e ser considerada mulher pela sociedade.
Para encerrar, concordo com a afirmação da autora deste texto “Transgender vs. Crossdresser”, de que a linha que separa o crossdressing/travestismo da transexualidade é quando se travestir e agir como mulher deixam de ser um “evento especial”, deixam de ser algo que você só faz nos fins de semana, e passam a ser algo normal, algo corriqueiro, algo intrínseco a você.
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