Talvez em poucos países do mundo a dublagem seja tão amada, tão querida e tão valorizada quanto no Brasil. Já assisti alguns filmes e animes japoneses com a dublagem em inglês e simplesmente não têm a mesma qualidade. E aqui, você tem dubladores que, só de escutar a voz deles, aquilo já te teleporta para tardes de 2002, com você chegando da escola, se enrolando em um cobertor em um dia frio de outono e assistindo filmes dos anos 80 e 90 na Sessão da Tarde, dublados por André Filho e Márcio Seixas.
Entretanto, diante de tudo e tal como em todos os aspectos da vida humana, temos a tecnologia, sempre recomeçando e mudando tudo. A única constante da vida é a mudança. Diante de tudo e desses avanços tecnológicos e, apesar do meu amor por dublagem e por tecnologia, sinto uma sensação agridoce de que dubladores serão substituídos.
Talvez, no início, ainda tenhamos algum dublador anônimo usando o filtro de voz para deixar a voz igual à de algum profissional famoso já consagrado, essencialmente transferindo sua performance para alguma voz já carimbada – um “ghost voice actor” se quiser chamar assim. Até que todo o processo de dublagem passe a ser feita via TTS.
Se você escutar um áudio criado, por exemplo, pela inteligência artificial da Eleven Labs, o maior problema é a falta de entonação, que poderia ser resolvido talvez simplesmente usando o áudio original na língua estrangeira como referência, somado a análises de emoção via interpretação textual através de modelos de linguagem como o ChatGPT para saber em que momento o robô deveria colocar mais ou menos ênfase e dar vida ao personagem.
Em última instância, toda essa automatização, e já escrevi sobre isso, não vai parar com a dublagem. Logo, os próprios atores também serão substituídos por algoritmos text to video dando origens a filmes criados por IAs, até a completa automatização da arte, ou talvez melhor dizendo da parte técnica da arte. Porque, embora a máquina vá conseguir fazer tudo sozinha, as pessoas vão querer continuar escrevendo suas próprias histórias. A IA não pode entrar na sua cabeça e produzir exatamente o filme que você iria querer produzir… mas aqui eu já estou divagando sobre o futuro. Ainda vou escrever um texto falando mais sobre como a IA afetará as pessoas criativas.
Enfim, essa automatização vai permitir que mais arte seja criada. No caso da dublagem, permitirá que todo conteúdo já feito, todos os filmes em múltiplas línguas que jamais seriam dublados, porque jamais teve uma demanda que justificasse tal custo – visto que no fim do dia é sobre dinheiro, um estúdio só mandará dublar o filme se isso se pagar. O que resulta em muitos filmes europeus, muitos animes e afins nunca sendo dublados.
No fim do dia, a morte duma indústria por mais trágica que ela possa ser, sempre resulta em benefícios para o resto da sociedade como um todo. Durante o surgimento do cinema até a invenção dos filmes com áudio haviam bandas que acompanhavam a exibição do filme para tocar a trilha sonora.
Possivelmente, a dublagem humana ainda terá um valor, especialmente como um sinal de prestigio similar a como certos prédios chiques ainda possuem ascensorista: “Oh, esse filme foi dublado por uma pessoa de verdade, que foi lá e leu o texto, com a própria voz”, mas no geral, acho que presenciaremos a morte de uma indústria.
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