A forma como vemos o trabalho hoje em dia é fundamentalmente errada. Hoje as pessoas associam trabalho a algo engrandecedor, como algo que enobrece o homem, “algo a ser desejado”.
“Um homem sem trabalho é um homem sem dignidade.”
É uma visão romantizada em relação ao trabalho que surge a partir do fato de que a maioria das pessoas simplesmente precisa trabalhar – afinal, “não existe almoço grátis” e a mão de obra humana por mais barata que seja ainda é cara demais – e a maioria dessas estão presas em empregos repetitivos que não oferecem nenhum tipo de incentivo intelectual ou fomento criativo, isso quando não é um emprego em condições insalubres, como trabalhar em minas de carvão.
Nós passamos a ver o trabalho não como algo, dentro da antiga e atual realidade, necessário, mas como algo desejável. Pois essa última perspectiva soa muito melhor que a primeira, quando você tem que trabalhar duma forma ou outra.
É uma espécie de auto ilusão praticada em escala mundial que surge a partir do momento em que a sociedade domina as técnicas de agricultura, e você não precisava de 95% das pessoas trabalhando para produzir comida e surge uma diversificação dos empregos. E que é amplificado mais ainda com a revolução industrial e com o surgimento das grandes metrópoles com milhões de pessoas com diferentes profissões interagindo juntas.
Tudo isso deixou óbvio que existiam empregos melhores que outros, e a maioria das pessoas não conseguia ganhar dinheiro fazendo algo que elas realmente gostavam. Por isso, como um placebo, nos enganamos para ver honradez e dignidade em… necessidades tristes. No fato de que não podemos ganhar a vida fazendo algo sem nos preocupar com o financeiro.
E acredito que quando muitos futuristas falam sobre a revolução tecnológica não compreendem isso. Eles tentam vender uma imagem que “nós e as máquinas trabalharemos juntos” e “robôs não tomarão nossos empregos”.
E bem, primeiro que isso não é verdade, não no final das contas. Robôs tomarão nossos empregos… e ainda bem que tomarão. Essa visão defendida por certos futuristas, embora seja uma avaliação técnica (e que está errada, já que inteligência artificial geral é possível), acredito que essa visão é influenciada por essa noção moral que menciono acima, de ver o emprego como algo nobre, pois como uma previsão técnica em relação ao futuro isto simplesmente não é baseado em fatos.
Ao meu ver é uma forma deles tranquilizarem as pessoas (e a si mesmos, talvez?) que acham o trabalho algo “moralmente belo e engrandecedor” ou de não entrarem em questões mais polêmicas em relação a mudanças mais profundas que esse tipo de automatização nessa escala causaria na sociedade, coisas como renda básica universal, por exemplo – que é muito mal vista em alguns países por ser considerado “uma medida socialista visando a implementação de uma ditadura comunista que valoriza o vagabundismo”.
Mas acredito que pré-conceitos morais e políticos, e o próprio paradigma econômico-social atual, claramente interferem na “previsão” em relação ao futuro desses especialistas.
Para concluir, quando pensamos no futuro devemos quebrar essa ilusão que ensinamos a nós mesmos a ver e a acreditar. Devemos passar a ver o trabalho, no sentido atual, pelo que ele realmente é: uma necessidade triste que deve ser eliminada através de automatização numa escala jamais vista – a base de replicadores e inteligência artificial.
Há palavras como “passatempo” e “hobby”, mas todas estas trazem consigo um certo olhar menosprezante cheio duma moral falaciosa, meio que dizendo “você não ganha dinheiro com isso, então você não merece a alcunha de seja lá o que você esteja dizendo que é (artistas que o digam) – você não é um homem digno e você não é bom nisso, já que não ganha dinheiro realizando tal atividade”.
Devemos substituir o conceito de trabalho que temos hoje por “atividades que amamos, que nos esforçamos profundamente e que faríamos de graça”. Atividades que não nos importamos se há algo mais eficiente que nós, porque não estamos fazendo isso para os outros, estamos realizando tais atividades para nós mesmos, para a satisfação de nossos anseios criativos.
Ao contrário de tentarmos encaixar o conceito de trabalho que existiu até o presente momento num futuro pós-escassez, devemos demoli-lo. E devemos criar uma nova palavra para designar estas “atividades que amamos, e que nos esforçamos muito para sermos bons nelas e que faríamos até de graça, indiferente a motivações financeiras”.
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