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Arte, IA, Espaços Difusos e o Mundo das Ideias de Platão


Tudo sempre existiu, tudo sempre esteve lá, em seus respectivos espaços latentes, apenas esperando para serem descobertos e acontecer.

Acredito que esse debate em relação à inteligência artificial generativa demonstra lindamente o conceito do “Mundo das Ideias de Platão”, e nos faz questionar o próprio processo de criação humano. Na IA generativa existe o conceito de espaços latentes (latent spaces), isso é essencialmente todas as imagens possíveis que um modelo poderia gerar, um número absolutamente absurdo, praticamente infinito.

Uma das críticas comuns em relação aos usuários da IA generativa é que você não está criando arte. De que você estaria essencialmente “pesquisando imagens no Google”, buscando por pixels em uma determinada localidade, e que o seu gesto não é uma “criação autêntica” – que você está meramente explorando possibilidades e selecionando o que você quer. De certo modo, concordo.

Porém, o mesmo podemos dizer do ser humano. Existe um número finito de imagens que podem existir. Por exemplo, você só pode organizar as 16.777.216 cores RGB uma imagem de 1000X1000 pixels de uma determinada maneira, mais especificamente: 16,777,216 ^ 1,000,000 ~ 10^3016297.

Existe um número finito de organizar todas as letras e símbolos de nosso alfabeto num livro de 100.000 espaços. Suponhamos que temos 130 caracteres, que incluem as letras do alfabeto romano em maiúsculo, minúsculo, incluindo variações contendo acentuação, e outros sinais.

E, talvez mais interessante ainda: existe um número infinito de maneiras de organizar bytes num arquivo digital. Arquivo este que pode representar músicas, áudios, livros, imagens, vídeos, etc. De modo que simplesmente há uma quantidade finita de arquivos de 10GBs que podem existir (3.4028 x 10^301,034,966).

Então, por exemplo, ainda que infinitamente improvável, estilo “Teorema dos Macacos” improvável, um programa de computador que gerasse arquivos de modo totalmente aleatório, poderia gerar um arquivo MKV do filme “Forrest Gump”. De fato, este programa geraria até mesmo uma versão absolutamente igual ao do filme que de fato existiu, cena a cena, mas onde o personagem principal é interpretado pelo ator Morgan Freeman.

O ponto onde quero chegar e deixar claro é que nada se cria, tudo se descobre. Nós sempre estamos explorando esses mundos de espaços latentes, e pinçamos aquelas ideias num mar de infinitas ideias, trazendo elas a luz do dia, trazendo ela ao nosso mundo. É isso que artistas vem fazendo desde o começo da humanidade. Tudo que muda nos dias atuais é a parte técnica de como esse processo de “mineração dos espaços difusos” se dá.

O Egoísmo do Artista que Deseja Privar o Mundo de Talentos como os Seus


Os artistas que criticam a automação da arte o fazem movido, acima de tudo, por egoísmo e orgulho. O fazem pois… há essa coisa que você é muito bom – seja lá o que for – e que você treinou muito para alcançar tamanho nível de domínio técnico da mesma.

A sociedade lhe diz quão foda você é e que há poucas pessoas como você no mundo. E de repente surgiu (surgirá) uma máquina capaz de criar uma arte desse nível. O que você interpreta e enxerga e sente como uma espécie de “furto de seu talento”.

Mas isso não deve ser visto assim. Isso não é assim. E essa é postura dos egoístas de mente pequena donos de orgulhos mesquinhos.

Uma máquina que tornou dons e talentos como o seu e de muitos outros acessíveis a todos nós – incluindo você – deve ser celebrada. Uma máquina tornou toda arte imaginável acessível a toda a humanidade… isso deveria ser celebrado!

Inclusive até mesmo pelos artistas – pois estes também consomem a arte alheia (tipos de arte que, inclusive, muitas vezes, eles próprios não sabem fazer – tal como um escritor fã de músicas instrumentais como as do Ennio Morricone).

Imagine quantos temas fascinantes não viram arte, não viram filmes e seriados e animes e pinturas apenas devido a quão raro – e por consequência caro e custoso – é o talento dos profissionais envolvidos na produção daquilo (isso sem falar nos custos operacionais e mais técnicos: hospedagem, transporte, etc, etc)

Quão mais rica seria a humanidade se fosse possível criar arte com o pressionar de um botão?

Não sedamos ao ludismo, nem endeusemos a capacidade de criação artística humana e , acima de tudo, jamais romantizemos a dificuldade.

Trocas de Corpo e Profundidade


É interessante ver um assunto que geralmente é abordado por um ângulo cômico sendo tratado de modo mais profundo. Por exemplo, filmes de troca de corpo na maioria das vezes são obras “pastelonas” e clichês, comédias, como “Freaky Friday” (Sexta-Feira Muito Louca), ou comédias baratas, como “Se Eu Fosse Você”.

Entretanto, esse conceito de você se ver em outro corpo (especialmente do gênero oposto), seja por vontade própria, ou se ver forçado pelas circunstâncias a tal, é um assunto infinitamente mais profundo que isso.

E são poucas obras que abordam o tema de modo não convencional – dois filmes que me vêm à cabeça são “Prelude to a Kiss” (Por Trás Daquele Beijo), no qual um velho e uma noiva trocam de corpo no casamento dela, e recentemente o filme indie australiano intitulado “Pulse” (Pulso), que, pelo que entendi, narra a história de um jovem gay deficiente que escolhe transferir sua mente para o corpo de uma bela jovem com morte cerebral.

Daria para bolar histórias fascinantes com esse tema, e abordar ele duma forma séria, sóbria e, por mais paradoxal que isso possa soar, realista. Há uma categoria de história bem interessante no site de contos eróticos “Fictionmania”, chamada “The Great Shift” (O Grande Deslocamento) que são basicamente histórias que se passam num mesmo universo no qual cerca de 90% da humanidade trocou de corpo, a maioria das pessoas trocando com alguém que estava fisicamente próximo a eles naquele momento.

E daria para abordar esse tema de N maneiras, seria uma história fascinante! Imagine: idosos se vendo no corpo de crianças, crianças se vendo em corpos adultos, adultos se vendo em corpos de idosos. Bilhões de indivíduos do nada se encontrando num corpo do sexo oposto, imagine como isso afetaria as noções de gênero, orientação sexual e o próprio conceito de identidade individual?!

Porém, infelizmente, é difícil esse tema ser abordado desse modo, ao menos em filmes e séries. O que, por sua vez, torna fascinante e original quando o fazem.

Rhapsodies e Percepções

Creio que muitas vezes o que torna uma arte “foda”, acho que sempre, aliás, é basicamente o impacto social que ela causou, e que faz com que as pessoas a percebam e a sintam de uma determinada maneira, nesse caso, como algo “foda pra caralho”.

Digo, sempre penso no segundo após Freddy Mercury ter composto Bohemian Rhapsody, antes dela ser lançada e tudo mais. Nesse instante, ela era uma música muito boa? Sem dúvida alguma, era uma canção incrível!

Mas ela ainda seria a fucking Bohemian Rhapsody que todo mundo cantou junto gritando nos shows do Queen se não tivesse sido gravada e lançada naquele conjunto de circunstâncias, se ela não tivesse sido lançada no contexto em que foi? Se um desconhecido tivesse postado ela em algum obscuro soundcloud?

Não, nessas circunstâncias ela literalmente não seria essa música, ela seria uma música isolada – uma mídia “despida e bruta” – separada de seu contexto.

A obra é o contexto também, talvez uma parte tão importante quanto a mídia despida. Ele age feito uma extensão da mídia que acontece após sua criação, que se constrói com o passar dos anos. E que muitas vezes faz a música, o filme, o livro, ou seja lá o que for, ganhar um sentido que difere totalmente daquele pretendido pelo autor. Inclusive já entrei nesse assunto no meu texto “A Filosofia da Restauração de Arte”.

Os sentimentos seus ao ouvir uma obra, e até mesmo o quanto você vai achar bom aquilo, tem muito a ver com a marca que ela deixou na sua vida, na sua história, e principalmente na sua geração.

Quando você escuta Where Is My Mind talvez você se lembre do fim do ano de 1997, de você saindo do cinema após ter assistido o Clube da Luta com sua namorada da faculdade, se lembre do espírito do tempo. E talvez você associe todo aquele zeitgeist do final do milênio com aquela música. Associação essa que não existiria sem o contexto.

E digo, todo mundo tem alguma canção que nem é tão boa, mas que você gostou dela mesmo assim, por causa do impacto que ela teve, dela ficar tocando no rádio e na TV centenas de vezes e tudo mais (não é o caso de nenhuma das músicas mencionadas aqui, é claro).

Como Nossas Criações São Usadas

É muito comodo dizer que nós projetamos as coisas para nós mesmos. Nossos gostos individuais e parcialidades guiam nosso pensamento. Mas quando lançamos qualquer coisa para o mundo, nós o fazemos com o conhecimento, ou pelo menos com a esperança, de que ela seja usada por outras pessoas além de nós mesmos. Perspectiva empodera e informa a empatia […] Nós deveríamos estar pensando em como nossas criações podem enriquecer a vida de outros, não apenas a maneira que nós queremos que nossas criações sejam usadas, mas como outras pessoas veem elas.

Empathy in Design

O Pequeno, O Simples

caderno-a5-retrato-caracol-preto-caderno-a5Sempre preferi pequeno, o simples: Um conto ao invés de um livro, um poema ao invés de um longo texto, um rascunho em A5 ao invés de uma pintura. Eu acho que eu não sou bom com grandes compromissos, grandes comprometimentos. Sei lá…

Quando começo a pensar em um grande compromisso lembro-me do fato da minha (inevitável?) mortalidade, e de repente tudo simplesmente parece tão inútil, vazio, sem sentido, desanimador. Por isso geralmente prefiro o pequeno e o simples, aquilo que eu sei que vou terminar, aquilo que cabe na palma da minha mão. Que consigo manter o controle em uma sentença.

Tal como este texto.