Arquivo da tag: Copyright

Num mundo onde a arte é barata, ainda precisamos de copyright?

“In A World Where AI Art Is Cheap And Easy To Generate, Do We Still Need Copyright?”

Este é um ponto muito interessante levantado pelo artigo linkado acima, que tenho me perguntado ultimamente. Antes de qualquer coisa é necessário entender que quanto mais abundante uma coisa é, menos valor – economicamente falando – ela tem.

Acredito que uma grande razão para a fragmentação de serviços de streaming de vídeo, com conteúdo sendo distribuído em inúmeras plataformas e programas exclusivos vinculados a apenas um determinado site, em comparação com a música, onde mais ou menos todas as canções estão nos mesmos serviços de streaming (quero dizer, não é como se apenas um serviço tivesse acesso ao catálogo dos Beatles)

É porque simplesmente há mais música disponível, boa música, música com a mesma qualidade em comparação ao que ocorre com vídeos. É mais barato produzir um álbum do que gravar um filme. De modo que o catálogo do IMDB tem cerca de 700.000 filmes, enquanto o Spotify tem 100 milhões de músicas em seu banco de dados – 200 vezes mais. Obviamente isso torna as músicas um ativo menos valioso do ponto de vista econômico, elas se tornam algo como uma mercadoria, como açúcar, arroz, feijão, etc …

Os direitos autorais não cobrem a ideia geral de algo, mas apenas uma execução específica daquilo. Então, o que acontece em um mundo em que qualquer um pode fazer um zilhão de filmes como Star Wars, todos tão bons quanto ele? Um mundo onde qualquer um pode pegar alguma obra consagrada, colocar ela num “Video2Video”, e modificar a obra apenas o suficiente para não violar os direitos autorais?

Sem mencionar os efeitos práticos: o fato de que essas tecnologias permitiriam que qualquer pessoa fizesse sua própria versão de fã duma determinada obra, ainda que ilegalmente, e simplesmente compartilhasse aquilo num torrent da vida. E, ao contrário do que acontece hoje em dia, onde, se você quisesse fazer uma versão de Star Wars… Primeiro que a Disney processaria sua empresa até ela quebrar antes que qualquer cena fosse filmada (e o fato de que um filme geralmente depende de várias pessoas/empresas para existir, só adiciona mais peças móveis para a Disney facilmente interromper com ações na justiça), e, claro, isso somado o fato de você não ter 0,001% do dinheiro que a Disney teria para investir no seu filme.

Mas o que acontece quando você pode simplesmente criar sua própria versão e postá-la online, assim como fez o DJ Danger Mouse, que remixou o “Grey Album” dos Beatles e o postou na web – e uma vez que está na internet, está lá para sempre.

Não direi que os direitos autorais morrerão, mas acho que as coisas definitivamente mudarão, porque, em última instância estamos falando aqui de uma máquina que é capaz de produzir qualquer filme ou imagem que você quiser. É essencialmente um gerador infinito de filmes  que as pessoas vão poder ter à sua disposição.

Isso fundamentalmente mudará completamente a forma como consumimos cultura.

Diário: 04/04/2023

“Obras criadas por IA não podem ter direitos autorais, diz escritório dos EUA”

Se a IA arte criada via “prompt” não é passível de proteção de direitos autorais porque “é apenas um resultado mecânico previsível” ou porque “falta envolvimento/técnica”, a fotografia também não deveria ser passível da mesma proteção.

Primeiro, qualquer um pode tirar uma foto, e mesmo que você aperte um botão sem esforço algum e fotografe a parede do seu quarto, aquela foto é elegível para direitos autorais, de acordo com a lei atual.

Segundo, pegue a foto do início do post, por exemplo: essa imagem provavelmente tem direitos autorais, mesmo que teoricamente qualquer um pudesse recriá-la. Você poderia sair e comprar o mesmo sofá, o mesmo espelho e outros objetos nesta imagem, recriar a mesma iluminação e afins, até o ponto em que você tivesse uma imagem essencialmente idêntica.

Fazendo uma analogia, seria como usar o mesmo “prompt/número de seed/modelo/demais parâmetros” no Stable Diffusion para recriar uma cópia exata duma imagem. A única diferença aqui é que você está fazendo isso no mundo real com objetos reais.

Meu ponto é que a curadoria de arte e decidir o que você vai querer selecionar entre toda a arte possível imaginável já é uma expressão artística por si só. Ela desempenha um papel na fotografia e desempenha um papel na arte gerada com o auxílio da IA também.

Não estou necessariamente apoiando os direitos autorais como conceito, acho que têm muitos problemas, só não vejo nenhum sentido em fazer uma distinção dizendo que a IA art seria menos merecedora da proteção dos direitos autorais do que, por exemplo, a fotografia.

O Leilão Mercenário da Arte

Contemporary-Auction-Feb-2012
A arte virou um título, virou uma commodity. Algo que você compra por muito dinheiro e põem na parede da sua cobertura pras pessoas verem quão importante você é – como se o valor que você pagou por aquilo realmente significasse algo.

E… há dezenas de ângulos para se analisar esta comercialização da arte, esta capitalização da arte, mas julgo que no fundo todos têm a ver com dinheiro, assim como tudo na vida.

Poderíamos abordar coisas como a existência de escritores fantasmas, pessoas que recebem dinheiro pra escrever livros pra pessoas famosas que não conseguem escrever livros, para que elas recebam todos os créditos. Porque a indústria sabe que o público vai querer ler uma arte que acreditem ser de alguém famoso. Ou seja, é uma arte um tanto quanto… mentirosa.

Também poderíamos mencionar toda essa paranoia em relação a direitos autorais que existe hoje em dia. O pensamento predominante atual na indústria, e até mesmo em certos produtores de conteúdo, entretanto em menor escala, é algo como “não compartilhe minha música, sem minha permissão”, “não use minha foto”, “não poste meu vídeo”, “não baixe meu livro”, “não use minha história”... é algo curioso, porque… demonstra de forma tão descaradamente escancarada o que arte se tornou: dinheiro. A arte virou uma maleta de dinheiro.

Hoje em dia você não pode nem lançar “obras abandonadas”, no inglês chamam isso de “Orphan Work”. Em outras palavras, são trabalhos que ainda não estão em domínio público, mas que o dono deles são desconhecidos; ou a editora que publicou faliu, ou o autor morreu e não deixou herdeiros, e por ai vai. Ou seja, obras que você não pode comprar comercialmente, porque ninguém sabe quem está com os direitos delas, ou se há alguém com os direitos delas. Em especial, existe um oportunismo muito grande das gravadoras, editoras e outras corporações que possuem copyright, algo como: “Alguém está ganhando dinheiro com algo que nós produzimos, mesmo que isso não nos prejudique em nada, e de fato até nos ajude? Vamos impedir isto!”

Isto sem falar no caso em que o autor daquela obra morreu há décadas. Digo, há livros incríveis que o autor está morto há 20 anos, mas que seu trabalho ainda está fechado, trancado, aprisionado, enclausurado nisso que chamam de “copyright”.

E o que me leva a meu último parecer: A arte virou dinheiro, virou ações, virou uma mercadoria, algo como uma barra de ouro, algo genérico, visto como um bem industrializável feito em linhas de produção fordista, não mais diferente e único do que um bocado de notas de 50 ou 100.

E… talvez esta arte pervertida “sem alma”, obcecada por dinheiro, guiada por um bocado de zeros após o 1 ou 2, ou qualquer numero positivo, seja apenas o reflexo desse mundo pervertido e sem alma que vivemos. Este mundo guiado por dinheiro. Este mundo que tirou a alma da arte, e a vendeu num profano leilão movido pelo ego de pobres velhos ricos.