Diante dessa nova realidade onde fotos e vídeos podem ser facilmente falsificados, venho pensando em alguns desfechos para esses cenário: O primeiro deles, e talvez o mais provável, é o que as câmeras passariam a vir com uma espécie de “EXIF criptográfico”, onde seu iPhone, por exemplo, ao tirar uma foto criaria um código de autenticação afirmando que aquela foto é verdadeira e que o arquivo dela é real e que não fora modificado de nenhuma maneira, talvez até codificando dados de geolocalização também.
Existiria então uma espécie de padronização com diferentes câmeras, celulares, tablets, notebooks, etc… rodando esse firmware. A ideia seria que esse sistema se tornaria o “padrão” e as fotos que não tivessem esse certificado seriam consideradas falsas. De fato, essa é essencialmente a ideia e a “solução” que Adobe e outras big techs vem trabalhando, o chamado “Content Authenticity Initiative” (Iniciativa de Autenticidade de Conteúdo).
Porém, isso levanta algumas questões e problemas a meu ver:
Em primeiro lugar, o governo certamente teria uma porta dos fundos com tapete vermelho estendido para eles. Ou seja, poderiam simplesmente pedir para a Apple “Oh, nos dê acesso à sua backdoor que nos permite colocar um selo de autenticação falso em imagens geradas por IA”. Em outras palavras, acreditar cegamente nesse certificado daria um poder muito grande para o governo mentir e criar falsas narrativas.
Em segundo lugar, hackers existem, provavelmente não seria só o governo que teria essa capacidade. É difícil concebermos um sistema que seja tão à prova de invasão que não consiga ser eventualmente violado, tal como ocorre com consoles de videogame e outros dispositivos com firmware bloqueado. Isso levaria a soluções cada vez mais invasivas e prejudiciais à privacidade para tentar diminuir as chances de manipulação, como um sistema cada vez mais conectado e integrado à nuvem. Algo similar ao DRM que tentaram implementar no XBOX One e que de fato colocam em prática em muitos jogos hoje em dia. O que seria algo horrível para a privacidade.
E embora horríveis para a privacidade, um cenário onde existe uma dificuldade relativamente alta para falsificar tais atestados talvez garantisse que as coisas não mudassem tanto em relação ao cenário atual. Digo, mesmo antes da IA generativa, mega corporações e governos, especialmente os das grandes potências, têm capacidade técnica de manipular imagens e vídeos a décadas. Parte do motivo de imagens e vídeos valerem tanto como evidência se dava justamente na improbabilidade de tal imagem e, especialmente vídeos, serem forjados num mundo onde os recursos para tal são restritos, chame de “autenticidade por irrelevância” se quiser.
De modo que um cenário hipotético, onde essencialmente fotos sem esse certificado digital são presumidas falsas e fotos com o mesmo são presumidas verdadeiras, porém apenas um pequeno número de agentes e organismos internacionais têm a capacidade técnica de falsificar tais comprovantes – ainda que distópicos e altamente indesejados por este autor – talvez não mudasse tanto o paradigma pré-IA.
Todavia, contudo, porém, entretanto, posso estar enganado sobre esse cálculo e análise de como o cenário pré-IA, e mais especificamente as dificuldades/vantagens do governo ao falsificar mídia antigamente, se comparam com as dificuldades/vantagens do governo de falsificar esses certificados no futuro. Talvez não seja uma “tradução” exata.
Por exemplo, sem sombra alguma de dúvida pedir para a IA criar um vídeo e depois colocar um certificado de autenticidade falso nele será várias ordens de magnitude mais fácil e barato do que era filmar um vídeo fake bem editado como fariam antigamente, dessa forma, o amplo acesso do governo a essa capacidade de falsificação numa escala e facilidade nunca antes vistas, diferentemente das limitações técnicas prévias, poderia levá-lo a produzir conteúdo falso de modo muito mais irrestrito e prolífero.
Por fim, e talvez aqui mais à título de curiosidade, penso num cenário onde esse certificado não existe, nunca é implementado por N motivos, onde essencialmente fotos e vídeos deixam de ser evidências de qualquer coisa. E, ironicamente, isso lembraria muito o mundo pré-fotografia e pré-vídeo, onde eventos eram confirmados por testemunhas oculares, documentos históricos, registros, etc, etc. Não sei o quanto esse cenário é provável de vir a se realizar, mas mesmo achei válido imaginar essa possibilidade:
“Antigamente não tinha foto de nada, por isso não tinha no que acreditar. Hoje tem uma foto de literalmente tudo, então não dá para acreditar em nada.”
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