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Os Assassinatos dos 3 Médicos no Rio e os 35 Anos de Nossa Constituição…


Tem certas histórias que acabam sendo um verdadeiro “suco de Brasil”, um trágico resumo de tudo de ruim que tem no nosso país. Os assassinatos dos 3 médicos – até o momento aparentemente resultado dum “engano” – no aniversário de 35 anos de nossa Constituição revela isso e muito mais. Ela nos mostra:

1) Incompetência do sistema judiciário: Para começo de conversa, por que o miliciano, Taillon Barbosa, que os bandidos aparentemente queriam matar, foi solto pela justiça? Por que um bandido perigosíssimo ficou apenas 2 anos preso? Ainda mais num país onde pessoas que protestam são condenadas a 17 anos de prisão.

Fato é que muito provavelmente existem diversas irregularidades nesse processo de soltura desse criminoso, isso para não dizer que tenha havido vendas de sentença. E o pior é que o sistema judiciário brasileiro é tão movido a cinismo e querer “pagar de bonito” que não me surpreenderia em nada se agora eles fossem passar a história a limpo e mandassem prender esse marginal, que, desde que foi solto em Setembro ,certamente já deve ter seguido os passos do traficante André do Rap, solto pela nossa Suprema Corte em 2021, e sumido no mapa.

2) Incompetência do sistema prisional: Que país é esse onde chefes do tráfico presos têm celulares à sua disposição para organizar um “Tribunal do Crime” diretamente de dentro da prisão via videoconferência e executar os bandidos que teriam assassinado os médicos por engano?

3) Total falência do Rio de Janeiro: Para as 15 pessoas no mundo que ainda tinham alguma dúvida que o Rio é um estado e, principalmente, um município falido e inseguro, vivendo essencialmente um estado de guerra civil, um lugar que jamais deveria realizar qualquer tipo de evento internacional…

Na prática, e em termos realistas e por mais triste que possa ser fazer essa afirmação – porque não deveria ser assim: existe algo pior do que você ter uma gangue dominando o crime num estado, como acontece em São Paulo com o PCC, e essa situação é você ter duas ou mais gangues brigando para ver quem vai controlar o crime no estado e inocentes morrendo no fogo cruzado. É um problema similar a quando o governo do Gaddafi foi derrubado pelo Ocidente e agora a Líbia está vivendo uma guerra civil e vendendo escravos.

4) O elitismo e o eterno sistema de casta brasileiro: Alguém tem alguma dúvida que esse crime seria varrido para debaixo do tapete, com todo desprezo e anuência das autoridades e da própria imprensa, se os bandidos, em vez de confundirem o miliciano com um médico (um deles inclusive sendo irmão duma deputada federal), tivessem o confundido com um gari?

É uma daquelas ironias do destino que esse crime bárbaro tenha acontecido no aniversário dos 35 anos da nossa Carta Magna que só vem nos mostrar que o Brasil com liberdade e segurança vai ser sempre o país do futuro e que a única saída é o aeroporto mais próximo…

Uma justiça que jamais teremos


Sobre o caso do brasileiro filho da puta que matou a ex-namorada, também brasileira, na frente dos dois filhos dela nos EUA…

É um tanto quanto irônico e profundamente triste o fato de que para uma família brasileira conseguir ter justiça ao ser vítima de um crime perpetuado por um brasileiro… ela tem que sair do próprio país.

Se esse homem tivesse cometido esse mesmo crime no Brasil, e deixássemos isso nas mãos do judiciário brasileiro, da polícia brasileira, das autoridades desse país: ou ele não teria punição (tem centenas de milhares de presos foragidos e apenas 30% dos homicídios são solucionados) ou teria uma punição levíssima (goleiro Bruno tá aí na condicional, Jatobá e Nardoni com saidinhas e afins).

De fato, se esse vagabundo tivesse conseguido voltar ao Brasil ele teria sua prisão perpétua reduzida para no máximo 30 anos, uma vez que o Brasil não extradita brasileiro nato, com um bom advogado conseguindo reduzir isso para uns 7 ou 10 anos.

O que aconteceu nesse caso, na prática, é a polícia e o judiciário americano corrigindo as cagadas do Brasil, corrigindo a impunidade desse país, visto que toda essa situação no fundo, aconteceu devido a mais pura incompetência das autoridades brasileiras, que simplesmente deixaram ele sair pela porta da frente para ir matar gente no exterior.

E, acima de tudo, o que aconteceu aqui é uma amostra dum sistema de justiça que a maioria dos brasileiros vivendo no Brasil, exceto se você for ministro do STF ou político graúdo, jamais terá acesso. Ao menos, ao cumprir a prisão perpétua pelo assassinato de sua ex-namorada, ele também vai estar sendo punido pelo assassinato cometido em Tocantins e recebendo a punição que o Estado Brasileiro falhou em aplicar.

Os Estados Unidos têm a justiça que o Brasil jamais terá.

Num país onde simplesmente não dá para acreditar na justiça, todo mundo perde

Não existem direitos, eles não são como uma lei da física. Não acontecem sozinhos. Eles são uma ideia. Um conceito em que todo mundo concordou e que instituições precisam tomar medidas para ele se realizar. E quando as pessoas deixam de acreditar que alguém vai fazer algo a respeito, que ninguém será punido, elas naturalmente tomam a justiça em suas próprias mãos e isso têm consequências.

O que vemos no Brasil é uma total descrença do povo na justiça e nas instituições, o que essencialmente resulta no povo resolvendo por conta própria “do jeito que dá“, com cada um conseguindo e realizando “sua própria justiça”. O país do jeitinho.

Patrick Reis, policial assassinado em confronto com o tráfico.

Você é policial e mataram um de seus colegas? Vá e pratique execuções sumárias antes que a justiça brasileira mande soltar o criminoso porque estava faltando uma vírgula no processo. Você é um bacana e mataram a sua filha? Mova os pauzinhos para conseguir acesso a uma justiça especial, que só vai valer no seu caso porque você tem amigos poderosos e pode implementar a prisão perpétua no Brasil para aquele criminoso, enquanto ainda defende publicamente que apenas a sua família merece esse nível exemplar de justiça. Sendo que psicopatas em casos tão graves quanto o seu são soltos e protegidos pelo ECA, e até mesmo por parte da grande imprensa, que de modo geral defende igualmente a impunidade.

Tudo isso, por sua vez, desaguando em uma previsível rotineira série de execuções extrajudiciais movidas pela justificável total e absoluta descrença na justiça, o que – além da questão de policiais estarem agindo como vítima, juiz e executor (papel que no ordenamento jurídico brasileiro atual aparenta ser restrito apenas aos ministros do STF) resulta em um altíssimo número de inocentes sendo feridos ou mortos pela polícia, já que as execuções, ao contrário de países onde a pena de morte existe, ocorrem sem a devida investigação e perícia, em situações de conflito, com o policial tendo poucos instantes para decidir sobre a culpabilidade do indivíduo e a “aplicação da pena”.

Felipe Café e Liana Friedenbach, assassinados em 2003 / Champinha, à época com 16 anos de idade, cumprindo pena até hoje, pois o pai de Liana era alguém influente e por isso teve acesso a uma justiça que a família da absoluta maioria dos brasileiros vítimas de crimes similares jamais terá.

No caso de pessoas influentes, com amigos na cúpula do poder, movendo a justiça para conseguir essencialmente tratamento VIP, como o pai de Liana Friedenbach, estuprada e assassinada por Champinha em 2003, a injustiça está precisamente no fato de que esse é um tratamento que só ele teve acesso. Este caso em particular é bem emblemático: o Estado Brasileiro essencialmente criou um regime de punição ultra VIP, onde só existem entre 2 a 5 internos nele, única e exclusivamente pelo fato de que as pessoas que eles assassinaram eram filhas de gente muito rica e muito poderosa.

O que por sua vez aproxima mais o Brasil de um sistema de castas, onde os ricos, na prática e independentemente do que está escrito na tal constituição de 88 que tanto falam, têm acesso a uma justiça premium, tanto quando são vítimas de um crime, como até mesmo quando são os autores de tais: recursos quase que ilimitados, prisão especial para certos grupos, presídios melhores, etc, etc… (a única “mudança”, se é que pode se chamar assim, vem sendo no sentido de deixar os privilégios para uma elite cada vez mais VIP, para um grupo cada vez mais restrito de privilegiados).

E quando ocorrem abusos, estes praticamente destinados a acontecer num sistema de justiça mantido com barbante e fita crepe, na base de gambiarra e do jeitinho – quando um policial atira num inocente, quando alguém é preso ilegalmente e sem provas e passando vários anos na cadeia porque um delegado ou desembargador não foi com a cara dele, quando isso dá “merda”…

É muito fácil para jornalista e juiz engomadinho do STF ir criticar a “ponta da lança”, o “último elo da corrente”, e simplesmente ignorar que todo o resto dessa lança, dessa corrente, foram forjados por eles mesmos. Nas redações de jornais e plenários do STF.

Traficante André do Rap sendo solto por decisão da mais alta corte do país.

Todo o descrédito da justiça, essa ode a impunidade, isso é fruto duma agenda defendida por eles mesmos. Ao soltar traficantes e perseguir inocentes, ao se opor à redução da maioridade penal, ao defender a impunidade exceto quando eles próprios se veem vítimas de um crime…

Poderia terminar citando Capitão Nascimento, “a gente vem aqui para desfazer a merda que você faz”, mas creio que a resposta do jornalista José Nêumanne Pinto ao, à época então ministro da Suprema Corte Brasileira, Marco Aurélio, resume melhor a situação:

…é a arte do cinismo

Os populares, mesmo quando inocentes, sempre foram presos antes da primeira instância e continuarão sendo presos antes de terem qualquer condenação. O que se discute na questão da “prisão após segunda instância” é se ricos e políticos podem ser eventualmente punidos por seus crimes ou se os mesmos podem recorrer com embargos infringentes ad infinitum até que seus delitos prescrevam em algum lugar no arcabouço das instâncias da “justiça” brasileira.

Simples assim, não tem magia, não tem nenhum segredo. Só o cinismo de ministros covardes que usam de elegantes jargões jurídicos como “dignidade da pessoa humana” e “presunção de inocência”, jargões que não existem para 99,9% da população brasileira.

A justiça brasileira é a arte do cinismo.

As Histórias das Vidas Anônimas dos Serial Killers Jamais Descobertos


Sou um grande fã do conceito ilustrado nesse vídeo do “Dictionary of Obscure Sorrows”, chamado “Sonder”. A ideia de que todas essas pessoas aleatórias que vemos nas ruas, todos esses passantes desconhecidos possuem uma puta história, dramas existenciais profundos que nem podemos vislumbrar, e que jamais saberemos. Paralelo a isso, existem histórias que transcendem nossas individualidades. Fatos que ganham manchete e capas de jornais, que viram toda uma história de uma nação:

Os assassinatos famosos, as grandes tragédias e por aí vai. Coisas aos quais se escrevem livros a respeito delas e tudo mais. Narrativas que transcendem a “micro-história”. Contudo, que ainda assim estão incompletas – e que nós nunca saberemos o que aconteceu. E aqui, pra ilustrar de modo mais claro ao que me refiro, falo sobre os casos de serial killers famosos que nunca foram capturados – tal como o Zodíaco, por exemplo.

E sobre como esse conceito de “todo mundo tem uma profunda história”, ilustrado no primeiro vídeo mencionado, interage com a questão de pessoas anônimas que cometeram atos que marcaram a história da humanidade (ao ponto de todos nós conhecermos tais feitos), e que nós jamais saberemos a história toda. Continuar lendo As Histórias das Vidas Anônimas dos Serial Killers Jamais Descobertos

Da Liberdade À Seus Limites: Liberdade Individual, Bem-Estar Social, Utilitarismo e Pré-Crimes


Discorro muito aqui no blog sobre a liberdade e as origens do direito, porém, hoje gostaria de abordar um tema contrário a esse, que seria justamente os limites dessa liberdade individual: os limites, a censura, a proibição e por aí vai. Aquilo que você não pode fazer.

A maioria de nós está disposto a aceitar algum nível de cerceamento da liberdade individual em nome do bem-coletivo e da segurança/funcionamento da sociedade (caso você seja uma pessoa que vê o mundo primariamente pelas lentes dum posicionamento mais de direita), ou um cerceamento da segurança/funcionamento da sociedade em nome da liberdade individual (caso você seja uma pessoa que vê o mundo primariamente pelas lentes dum posicionamento mais de esquerda).

A postura extremista de ambas as filosofias políticas seria, no caso da direita: Alguém defendendo o direito de indivíduos possuírem bombas nucleares, alegando, de certo modo até corretamente, que ele não está “tecnicamente” agredindo ninguém ao possuir aquelas armas, e que qualquer punição contra ele seria um “pré-crime” – você não pode efetivamente provar que ele iria atacar outros seres humanos com tal dispositivo. Talvez ele só “tivesse um passatempo de explodir coisas numa propriedade privada dele no meio do deserto”, nesse caso ninguém estaria sendo agredido. Continuar lendo Da Liberdade À Seus Limites: Liberdade Individual, Bem-Estar Social, Utilitarismo e Pré-Crimes

Liberdade e Crimes Sem Vítimas: Uma Visão Libertária a Respeito da Posse de Pornografia Infantil


Possuo muito apreço pela ideia de que crimes precisam, ou deveriam precisar, ter uma vítima –
uma vítima objetiva, clara e direta. Julgo que a partir do momento que começa-se a criar definições que embarcam conceitos e noções como a ideia de que a vítima de um crime foi, não uma pessoa, mas sim “a sociedade” (essa figura nublada e cinzenta e sem formas definidas), a chance da maioria usar tal instrumento a fim de punir indivíduos única e exclusivamente por eles fazerem algo que grande parte da sociedade discorda, aumenta cada vez mais.

Vemos isso em crimes como blasfêmia, como nos tempos da inquisição onde indivíduos eram mandados para a fogueira por fazerem afirmações contrárias a doutrina da igreja, injúria, e principalmente no conceito de “crimes de apologia” – que por muitas vezes, se não em sua maioria, são usados para censurar discursos impopulares na sociedade, vide o que ocorreu a alguns anos atrás com a questão da “marcha da maconha” no Brasil, que foi suspensa por um tribunal há alguns anos atrás (posteriormente o STF entendeu que tal marcha se adequava ao princípio da liberdade de expressão). E obviamente, claro, vemos isso na criminalização das drogas em si, onde, você, ao utilizar alguma droga estaria “agredindo a sociedade”. Continuar lendo Liberdade e Crimes Sem Vítimas: Uma Visão Libertária a Respeito da Posse de Pornografia Infantil